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CHEIRO, GOSTO, TEMPO
CHEIRO, GOSTO, TEMPO

O velho e seu cajado vagarosamente aproximavam-se da vista que ostentava ser vista todos os dias à tardinha. Era lá que o sol se punha. O grande astro laranja cercado de azuis escuros e claros descia rápido. O velho, em meditação prazerosa, não obrigatória, testemunhava os Deuses do crepúsculo que de tão vazio era cheio. Depois de muito continuava o caminho que atravessava a mata onde os sons da natureza já não gritavam, faziam o silêncio da noite. Apenas os passos eram ouvidos acompanhados de todos os sentidos que o ser da barba trançada consentia. Chegando à cabana, em frente ao altar, acendia velas e apagava a lamparina. Sentava em frente a janela que apontava lua cheia e brisa da primavera. O cheiro vinha das flores do campo e árvores silvestres. Levanta a por um pedaço de lenha a esquentar água p/ ervas colhidas em seu jardim de cores e saúde. Quando pronta a infusão, voltava a sentar, beber e meditar a oportunidade de estar ali. O homem era sábio em seu conceito de sabedoria. Cultivava esperança de ensinar o que aprendera por tempo ainda. Colocava palavras no lugar de palavras e silêncio no lugar do silêncio. Justificava a falta de tolerância para com seres egoístas e mesquinhos e sabia o tempo de começar, seguir e parar. Essa sabedoria que só vem junto do cabelo grisalho. Antes, fora jovem, amara muitas meninas, ouvira som pesado, respondera com ignorância aos mais velhos, fugira da escola, usara alucinógenos, caíra em festas, correra mais de 120, não entendera a inocência das crianças, reclamara o pão de cada dia, desfizera os seus e não tivera amigos, apenas conhecidos que o procuravam quando dele precisassem. Não via isso como tristeza, até porque tinha todo o tempo para mudar tudo. Mas, horas e dias passando e nada de novo. Coisas com as quais sempre compartilhou continuavam intactas. Até que, uma noite, num sonho, daqueles onde tu encontras contigo mesmo e vê do alto o que nunca percebera dentro acordou nele de alguma maneira a vontade de gritar. Ao amanhecer, pelas seis e quinze da manhã, fora até a janela, ainda assustado com revelações que sempre estiveram ali e que ele escondia de si mesmo. O jovem, que até então não tinha propósito algum, juntara de si a mochila, o violão e um caderno. Pela primeira vez beijara a mãe e pedira p/ avisar o pai para que não se preocupasse. Em efeito instintivo, a genitora o abraçou e desejou que Deus o acompanhasse, ainda dizendo que de tudo sabia e que era o melhor a ser feito. O rapaz, numa tranqüilidade súbita e demorada, saíra sem rumo sabendo exatamente p/ aonde ir. Por dias e noites percorrera o caminho na luz do sol e no banho da lua. Encontrara homens e mulheres que mostravam o valor da natureza, dos espíritos e principalmente o dele mesmo. Com o tempo, que sempre foi o melhor aliado de ignorantes e sacrifícios inadequados, surgira a tolerância, a paciência, a dedicação, a vontade e até mesmo o amor. Foi assim que conheceu Hanice, ela era linda, envolta de luz violeta e mistério. Antes, quando de nada sabia, achava que mulheres eram melhores quando escondidas embaixo de vestidos pesados, olhares baixos e obediência. Agora, via que uma fêmea tinha mais cheiro, gosto e substâncias quando não tinha medo de mostrar e falava em discurso de dois. A mulher vira em Jimi, um jovem de alma nova procurando alma velha. Dedicara-se a ensinar o que havia aprendido com mestres do caminho e deitara com ele toda vez que tivera vontade. Ao amanhecer, depois de semanas, Hanice já não tinha o que fazer ali. Jimi, com jeito de aceitação e pensamentos de ordem elevados respirou fundo, preparou o café e saíra caminhar mais um pouco do tanto que o esperava. Conhecera outros lugares, desviara outros bares, ganhara novos ares. Contava com 75 anos agora. A barba era trançada, as roupas simples e leves, as sandálias surradas e cajado o mesmo dos 60. Perspectivas? _Nenhuma e todas. Sabia que já não viveria por muito; mas, também sabia que depois de todas as aventuras, pessoas, conquistas pessoais e risos infantis que aprendera ver e ouvir chegaria ao caminho que o levaria ao caminho. 

(Denise)




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